quinta-feira, 16 de março de 2017

Seguidores de Cristo, seguidores da bíblia.




            Somos seguidores de Cristo ou da Bíblia? Pergunta que recentemente gerou algumas divergências dentro do meio protestante nas redes sociais. Alguns diziam que seguimos Jesus Cristo e não as escrituras, outros afirmavam que somos seguidores de Jesus e da Bíblia.

            Antes de qualquer debate, a Bíblia é a palavra de Deus, santa, inspirada, infalível e suficiente, e não apenas um conjunto de livros que contém a palavra de Deus. O perigo de se pensar na bíblia como contendo a palavra de Deus é justamente o relativismo das escrituras. 

            Se a bíblia apenas contém a palavra de Deus, então o grande dilema vai girar em torno de quem tem autoridade para definir o que será ou não a palavra de Deus, esse é o grande perigo do relativismo, usarmos métodos e formas humanas para definir aquilo que é revelação e o que não é.

            A história do cristianismo nos ensina que na formação do cânon bíblico foram os próprios escritos que demonstraram ser palavra de Deus, e os aspectos que conferiram segurança na inclusão dos livros no cânon, dentre vários eram: ser apostólico, historicidade e harmonia entre os livros ou constância interna. Dentro dessa perspectiva da história temos também a Sola Scriptura da reforma protestante.

            “Somente a escritura” foi justamente a luta dos reformadores em resgatar a Bíblia como a palavra de Deus, em tê-la como centralidade da fé e do culto, lutando assim contra os abusos e desmandos que aconteciam no período pré-reforma por parte da Igreja Católica.

            Falar da bíblia como um livro que não precisa ser seguido é ser desonesto com a história da própria fé que se afirma professar. Afirmar ser seguidor de Cristo e desprezar o livro pela qual o filho unigênito se revelou é uma afronta a todo o processo soberano de Deus em manter essas palavras registradas e fieis até os nossos dias.

            Um dos argumentos bastante utilizados pelos defensores de que não somos seguidores da bíblia e sim apenas de Cristo está na tentativa de fazer do Antigo Testamento um conjunto de livros e palavras obsoletas. Contudo, o que eles não conseguem entender é que o Antigo Testamento é a palavra de Deus, escrito por homens escolhidos e inspirados por Deus. Com isso, afirmar que o Antigo Testamento é obsoleto, ultrapassado e sem valor para hoje é não entender as palavras do próprio Cristo: 

“Não pensem que vim abolir a lei ou os profetas; não vim abolir, mas cumprir. Digo-lhes a verdade; enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra”. (Mateus 5:17-18). 

            O próprio Jesus afirma que a Lei e os profetas, o Antigo Testamento, não foram por ele abolidos, logo, não se tornaram obsoletos ou retrógados, antes, continuam sendo sua palavra, santa, infalível, inspirada e suficiente. Você pode perguntar: “André, você segue o Antigo Testamento todo?”. Eu respondo: “Não!”

            No ensino reformado, temos uma expressão que diz: “A escritura explica a própria escritura”, ou seja, a Bíblia ensina que não precisamos mais seguir as leis cerimoniais, pois Jesus foi o sacrifício definitivo, e nem as leis de cunho civil por não sermos judeus. Contudo, a lei moral vigora até os dias atuais. 

            Afirmar que segue Cristo e não a Bíblia é demonstração de tolice.
            Outro questionamento levantado para afirmar que não seguimos a bíblia é que ela não salva, e sim Cristo. Isso é uma verdade, contudo, o fato de a Bíblia não salvar não deve ser argumento para não ser seguida. Sabemos que a fé em Jesus Cristo é o que nos salva. De onde vem essa fé?

            “Consequentemente, a fé vem por se ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de Cristo”. (Romanos 10.17)

            A bíblia não nos salva, a fé em Jesus Cristo sim, e por meio dele recebemos graciosamente a vida eterna, porém, não seguir a Bíblia é agir de forma contrária à forma ordinária estabelecida por Deus para salvação dos seus eleitos. 

            É possível conhecer a bíblia e não conhecer Jesus Cristo? Sim, é possível saber sobre as escrituras e mesmo assim não ser um seguidor de Jesus. E a própria palavra traz exemplos como o de Saulo de Tarso, um conhecedor da letra da lei e que perseguia Jesus por ser perseguidor da igreja. Porém, isso não deve ser base para não seguir a bíblia. 

            Saulo, ao encontrar Cristo, tornar-se Paulo, e em certo momento de sua história apostólica, preso por causa do evangelho, diz: “Quando vieres, traz-me a capa que deixei em Trôade, na casa de Carpo, e os livros, principalmente os pergaminhos”. (2 Timóteo 4.13)


          Paulo, após seguir a Cristo torna-se seguidor dos pergaminhos e não apenas seguidor e conhecedor dos escritos, ele foi escolhido por Deus para ser um dos maiores escritores do Novo Testamento, isso nos mostra que andar com Cristo é ter um enorme apreço e paixão pelas palavras sagradas.

            Em João 5.39-40, o apostolo nos afirma: “Vocês estudam cuidadosamente as escrituras que testemunham a meu respeito; contudo, vocês não querem vir a mim para terem vida eterna”. 

            Paulo, quando Saulo, era um desses de quem João fala em seu evangelho, porém, temos que lembrar que seguir a Bíblia e não seguir Jesus é possível, mas o contrário não; é impossível ser um seguidor de Jesus e não das suas palavras. Nessa vertente, temos que ter em mente a diferença entre ler as escrituras ou segui-la por iluminação do Espirito Santo e por esforço da cognição humana. 

            A iluminação é o ato do Espirito Santo clareando nossa mente para o correto entendimento das sagradas escrituras, porém o Espírito Santo ilumina apenas aos eleitos de Deus. 

            A cognição humana é o ato de tentar entender as palavras santas pelo esforço natural, por isso é possível conhecer e tentar seguir a Bíblia sem a iluminação, mas quando iluminados é impossível não seguir a palavra de Deus. 

            Seguir a Cristo necessariamente é seguir e praticar as sagradas escrituras, vejamos: “Pois, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, é semelhante a um homem que comtempla o próprio rosto no espelho; porque ele se contempla, vai embora e logo se esquece de como era”. (Tiago 1:23-24)

            “Não preciso da Bíblia, a criação por si me revela Cristo”. A confissão de Fé de Westminster em seu capitulo primeiro afirma:

            “Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência manifestam de tal modo a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, todavia não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e de sua vontade, necessário à salvação”.

            O conhecimento sobre a pessoa de Cristo nos leva a nele depositar fé e assim receber gratuitamente salvação, então de alguma forma o conhecimento da pessoa de Cristo está presente no processo salvifico. Por isso Paulo escreve: “Porque, se com a tua boca confessares Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”. (Romanos 10.9) 

            Crer é o ato de depositar fé e confiança em algo, por isso, é necessário o conhecimento de Deus e da sua vontade, e tudo isso é conhecido e encontrado nas palavras sagradas. 

            A fala que a criação revela Cristo é um debate existente na teologia conhecido como teologia natural, contudo, o que nos basta saber é que a criação revela a glória de Cristo, mas é a Bíblia que revela as profundidades da pessoa e obra redentiva de Jesus.

            Os que relativizam as escrituras como algo que não seguimos são aqueles que olham para a lei de Deus e a veem como algo criado por causa do pecado, ou seja, o homem pecou então Deus estabeleceu uma lei, como se o pecado adâmico e a queda da raça humana fosse algo fora do seu conhecimento soberano. 

            A lei de Deus existe desde o jardim do Éden, Deus por ser relacional descia ao jardim para encontrar Adão e Eva e com eles estabeleceu uma lei, mesmo que oral. Deus se revela a Abraão e lhe dá uma lei: “Sai da tua terra”, ao se revelar a Moisés na sarça e ao ordenar “Vá até Faraó”, estabelece uma lei. Esses exemplos mostram que a Lei de Deus é a sua vontade, e nesses casos foram dadas de maneira oral e não escrita. 

“Costuma-se partir do princípio de que a revelação especial é um fenômeno pós-queda necessário, por causa da condição do pecado da humanidade. Ela é muitas vezes considerada um remédio. O relato de Deus à procura de Adão e Eva no jardim depois da queda (Gn 3.8-9) dá a impressão de que este era mais um encontro de uma série de encontros especiais. Ademais, as instruções que os seres humanos receberam (Gn 1.28) a respeito de seu papel e suas atividades entre criador e criatura. Se este é o caso, a revelação especial é anterior à Queda. Quando o pecado entrou na humanidade, porém, a necessidade de uma revelação especial tornou-se mais premente”. (Millard J. Erickson)

            A lei de Deus não foi estabelecida por causa do pecado, ela existe desde muito antes da queda, ainda nessa perspectiva e segundo a confissão de Fé de Westminster: “Deus deu a Adão uma lei, como um pacto de obras. Por esse pacto Deus o obrigou, bem como toda a sua posteridade, a uma obediência pessoal, inteira, exata e perpétua”.  

            O relativismo das escrituras como algo que deve ser seguido é sutil e travestido de piedade, afinal, seguir a Jesus que é maior que a Bíblia soa aos leigos como uma fala cristocêntrica. 

            Os relativistas utilizam a chamada Cristologia como uma chave hermenêutica, ou seja, eles usam o Jesus histórico como a chave para a interpretação das escrituras. Porém, essa hermenêutica cristológica falha quando não se leva em consideração que o Jesus homem também era Deus. Afirmar que Cristo não seguiu a lei com base na quebra do sábado, partindo do pressuposto cristológico do Jesus meramente histórico, é falhar na hermenêutica da bíblia como um todo. 

            Como pode Jesus não seguir a lei por curar no sábado, e o mesmo Jesus dentro do templo citar o profeta Isaias como narra Lucas em seu evangelho? “Ele ensinava nas sinagogas e era elogiado por todos. Chegando a Nazaré, onde fora criado, entrou na sinagoga no dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para fazer a leitura. Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías; ele o abriu e achou o lugar em que estava escrito”. (Lucas 4.15-17).

Seguir a Cristo é seguir a bíblia, amar a Cristo é amar suas palavras que dão vida eterna, conhecer a Cristo é conhecer as sagradas escrituras, uma vida dedicada a Cristo é uma vida dedicada aos estudos da Bíblia Sagrada. 

            Seguir a Cristo é seguir a Bíblia, afinal “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna”. 


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