Somos
seguidores de Cristo ou da Bíblia? Pergunta que recentemente gerou algumas
divergências dentro do meio protestante nas redes sociais. Alguns diziam que
seguimos Jesus Cristo e não as escrituras, outros afirmavam que somos
seguidores de Jesus e da Bíblia.
Antes de
qualquer debate, a Bíblia é a palavra de Deus, santa, inspirada, infalível e
suficiente, e não apenas um conjunto de livros que contém a palavra de Deus. O
perigo de se pensar na bíblia como contendo a palavra de Deus é justamente o
relativismo das escrituras.
Se a
bíblia apenas contém a palavra de Deus, então o grande dilema vai girar em
torno de quem tem autoridade para definir o que será ou não a palavra de Deus,
esse é o grande perigo do relativismo, usarmos métodos e formas humanas para
definir aquilo que é revelação e o que não é.
A
história do cristianismo nos ensina que na formação do cânon bíblico foram os
próprios escritos que demonstraram ser palavra de Deus, e os aspectos que
conferiram segurança na inclusão dos livros no cânon, dentre vários eram: ser
apostólico, historicidade e harmonia entre os livros ou constância interna.
Dentro dessa perspectiva da história temos também a Sola Scriptura da reforma
protestante.
“Somente
a escritura” foi justamente a luta dos reformadores em resgatar a Bíblia como a
palavra de Deus, em tê-la como centralidade da fé e do culto, lutando assim
contra os abusos e desmandos que aconteciam no período pré-reforma por parte da
Igreja Católica.
Falar da
bíblia como um livro que não precisa ser seguido é ser desonesto com a história
da própria fé que se afirma professar. Afirmar ser seguidor de Cristo e
desprezar o livro pela qual o filho unigênito se revelou é uma afronta a todo o
processo soberano de Deus em manter essas palavras registradas e fieis até os
nossos dias.
Um dos
argumentos bastante utilizados pelos defensores de que não somos seguidores da
bíblia e sim apenas de Cristo está na tentativa de fazer do Antigo Testamento
um conjunto de livros e palavras obsoletas. Contudo, o que eles não conseguem
entender é que o Antigo Testamento é a palavra de Deus, escrito por homens escolhidos
e inspirados por Deus. Com isso, afirmar que o Antigo Testamento é obsoleto,
ultrapassado e sem valor para hoje é não entender as palavras do próprio
Cristo:
“Não
pensem que vim abolir a lei ou os profetas; não vim abolir, mas cumprir.
Digo-lhes a verdade; enquanto existirem céus e terra, de forma alguma
desaparecerá da lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra”.
(Mateus 5:17-18).
O
próprio Jesus afirma que a Lei e os profetas, o Antigo Testamento, não foram
por ele abolidos, logo, não se tornaram obsoletos ou retrógados, antes,
continuam sendo sua palavra, santa, infalível, inspirada e suficiente. Você
pode perguntar: “André, você segue o Antigo Testamento todo?”. Eu respondo: “Não!”
No
ensino reformado, temos uma expressão que diz: “A escritura explica a própria
escritura”, ou seja, a Bíblia ensina que não precisamos mais seguir as leis
cerimoniais, pois Jesus foi o sacrifício definitivo, e nem as leis de cunho
civil por não sermos judeus. Contudo, a lei moral vigora até os dias atuais.
Afirmar
que segue Cristo e não a Bíblia é demonstração de tolice.
Outro
questionamento levantado para afirmar que não seguimos a bíblia é que ela não
salva, e sim Cristo. Isso é uma verdade, contudo, o fato de a Bíblia não salvar
não deve ser argumento para não ser seguida. Sabemos que a fé em Jesus Cristo é
o que nos salva. De onde vem essa fé?
“Consequentemente,
a fé vem por se ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de
Cristo”. (Romanos 10.17)
A bíblia
não nos salva, a fé em Jesus Cristo sim, e por meio dele recebemos graciosamente
a vida eterna, porém, não seguir a Bíblia é agir de forma contrária à forma
ordinária estabelecida por Deus para salvação dos seus eleitos.
É
possível conhecer a bíblia e não conhecer Jesus Cristo? Sim, é possível saber
sobre as escrituras e mesmo assim não ser um seguidor de Jesus. E a própria
palavra traz exemplos como o de Saulo de Tarso, um conhecedor da letra da lei e
que perseguia Jesus por ser perseguidor da igreja. Porém, isso não deve ser
base para não seguir a bíblia.
Saulo,
ao encontrar Cristo, tornar-se Paulo, e em certo momento de sua história
apostólica, preso por causa do evangelho, diz: “Quando vieres, traz-me a capa que deixei em Trôade, na casa de Carpo,
e os livros, principalmente os pergaminhos”. (2 Timóteo 4.13)
Paulo,
após seguir a Cristo torna-se seguidor dos pergaminhos e não apenas seguidor e
conhecedor dos escritos, ele foi escolhido por Deus para ser um dos maiores escritores
do Novo Testamento, isso nos mostra que andar com Cristo é ter um enorme apreço
e paixão pelas palavras sagradas.
Em João
5.39-40, o apostolo nos afirma: “Vocês estudam cuidadosamente as escrituras que
testemunham a meu respeito; contudo, vocês não querem vir a mim para terem vida
eterna”.
Paulo,
quando Saulo, era um desses de quem João fala em seu evangelho, porém, temos
que lembrar que seguir a Bíblia e não seguir Jesus é possível, mas o contrário
não; é impossível ser um seguidor de Jesus e não das suas palavras. Nessa
vertente, temos que ter em mente a diferença entre ler as escrituras ou
segui-la por iluminação do Espirito Santo e por esforço da cognição humana.
A
iluminação é o ato do Espirito Santo clareando nossa mente para o correto
entendimento das sagradas escrituras, porém o Espírito Santo ilumina apenas aos
eleitos de Deus.
A
cognição humana é o ato de tentar entender as palavras santas pelo esforço
natural, por isso é possível conhecer e tentar seguir a Bíblia sem a iluminação,
mas quando iluminados é impossível não seguir a palavra de Deus.
Seguir a
Cristo necessariamente é seguir e praticar as sagradas escrituras, vejamos:
“Pois, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, é semelhante a um homem
que comtempla o próprio rosto no espelho; porque ele se contempla, vai embora e
logo se esquece de como era”. (Tiago 1:23-24)
“Não
preciso da Bíblia, a criação por si me revela Cristo”. A confissão de Fé de
Westminster em seu capitulo primeiro afirma:
“Ainda
que a luz da natureza e as obras da criação e da providência manifestam de tal
modo a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam
inescusáveis, todavia não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus
e de sua vontade, necessário à salvação”.
O conhecimento
sobre a pessoa de Cristo nos leva a nele depositar fé e assim receber
gratuitamente salvação, então de alguma forma o conhecimento da pessoa de
Cristo está presente no processo salvifico. Por isso Paulo escreve: “Porque, se
com a tua boca confessares Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus
o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”. (Romanos 10.9)
Crer é o
ato de depositar fé e confiança em algo, por isso, é necessário o conhecimento
de Deus e da sua vontade, e tudo isso é conhecido e encontrado nas palavras
sagradas.
A fala
que a criação revela Cristo é um debate existente na teologia conhecido como
teologia natural, contudo, o que nos basta saber é que a criação revela a
glória de Cristo, mas é a Bíblia que revela as profundidades da pessoa e obra
redentiva de Jesus.
Os que
relativizam as escrituras como algo que não seguimos são aqueles que olham para
a lei de Deus e a veem como algo criado por causa do pecado, ou seja, o homem
pecou então Deus estabeleceu uma lei, como se o pecado adâmico e a queda da
raça humana fosse algo fora do seu conhecimento soberano.
A lei de
Deus existe desde o jardim do Éden, Deus por ser relacional descia ao jardim
para encontrar Adão e Eva e com eles estabeleceu uma lei, mesmo que oral. Deus
se revela a Abraão e lhe dá uma lei: “Sai da tua terra”, ao se revelar a Moisés
na sarça e ao ordenar “Vá até Faraó”, estabelece uma lei. Esses exemplos
mostram que a Lei de Deus é a sua vontade, e nesses casos foram dadas de
maneira oral e não escrita.
“Costuma-se
partir do princípio de que a revelação especial é um fenômeno pós-queda
necessário, por causa da condição do pecado da humanidade. Ela é muitas vezes
considerada um remédio. O relato de Deus à procura de Adão e Eva no jardim
depois da queda (Gn 3.8-9) dá a impressão de que este era mais um encontro de
uma série de encontros especiais. Ademais, as instruções que os seres humanos
receberam (Gn 1.28) a respeito de seu papel e suas atividades entre criador e
criatura. Se este é o caso, a revelação especial é anterior à Queda. Quando o
pecado entrou na humanidade, porém, a necessidade de uma revelação especial
tornou-se mais premente”. (Millard J.
Erickson)
A lei de
Deus não foi estabelecida por causa do pecado, ela existe desde muito antes da
queda, ainda nessa perspectiva e segundo a confissão de Fé de Westminster: “Deus deu a Adão uma lei, como um pacto de
obras. Por esse pacto Deus o obrigou, bem como toda a sua posteridade, a uma
obediência pessoal, inteira, exata e perpétua”.
O
relativismo das escrituras como algo que deve ser seguido é sutil e travestido
de piedade, afinal, seguir a Jesus que é maior que a Bíblia soa aos leigos como
uma fala cristocêntrica.
Os
relativistas utilizam a chamada Cristologia como uma chave hermenêutica, ou
seja, eles usam o Jesus histórico como a chave para a interpretação das
escrituras. Porém, essa hermenêutica cristológica falha quando não se leva em
consideração que o Jesus homem também era Deus. Afirmar que Cristo não seguiu a
lei com base na quebra do sábado, partindo do pressuposto cristológico do Jesus
meramente histórico, é falhar na hermenêutica da bíblia como um todo.
Como
pode Jesus não seguir a lei por curar no sábado, e o mesmo Jesus dentro do
templo citar o profeta Isaias como narra Lucas em seu evangelho? “Ele ensinava nas sinagogas e era elogiado
por todos. Chegando a Nazaré, onde fora criado, entrou na sinagoga no dia de
sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para fazer a leitura.
Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías; ele o abriu e achou o lugar em que
estava escrito”. (Lucas 4.15-17).
Seguir a Cristo é seguir a bíblia, amar a
Cristo é amar suas palavras que dão vida eterna, conhecer a Cristo é conhecer
as sagradas escrituras, uma vida dedicada a Cristo é uma vida dedicada aos
estudos da Bíblia Sagrada.
Seguir a
Cristo é seguir a Bíblia, afinal “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras
de vida eterna”.
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