quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Evangelho e Dignidade


No ministério terreno de Jesus Cristo o amor ao próximo era evidente, bem como a proclamação das boas novas espirituais. Jesus Cristo nos deixou o grande mandamento: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento” (Mateus 22:37). Nas palavras que se seguem, Cristo enfatiza que o segundo mandamento é semelhante ao primeiro, e então declara: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:38).
Jesus Cristo, em todo seu tempo terreno como homem e como Deus, deixa bem claro a dupla eficácia do seu evangelho, uma mensagem de salvação, libertação do pecado, bem como uma mensagem de compaixão e relevância na vida terrena. A mensagem que Cristo anunciou provia libertação dos poderes do pecado e também uma dignidade para nós enquanto habitantes deste mundo.
Contudo, antes de analisarmos a mensagem integral de Cristo na terra, pensemos um pouco no povo de Israel, os hebreus, e como eles necessitavam de braços de compaixão em sua jornada como povo da aliança.
Deus escolhe por sua soberana vontade um homem chamado Abraão e com ele realiza uma aliança (Gn 15) garantindo que a partir dele seria criada toda uma nação, que comumente é chamada de povo da aliança, nação santa. Nesta aliança Deus afirma para Abraão que eles receberiam gratuitamente uma terra boa e que dela manaria leite e mel, contudo, antes, seu povo seria estrangeiro e escravo em terras egípcias (Gn 15:13).
Quatrocentos anos se passaram e Deus levanta Moisés como seu instrumento para libertar seu povo da terra alheia e os conduzi-los para uma terra que eles poderiam chamar de sua: Canaã. Importante salientar que enquanto estrangeiros em terras alheias o povo hebreu fora tratado com pesados trabalhos e condições precárias de vida, o povo escolhido de Deus havia passado 400 anos reduzidos à escravidão e a uma forma indigna de vida.
Enquanto o povo da aliança ia crescendo e se fortalecendo, peregrinando eles iam por mais quarenta anos pela península do Sinai. Divinamente pensado, esse tempo serviu para organização militar, comercial e, claro, preparação e separação espiritual. O povo que viveu de forma forasteira por 400 anos em terras pagãs deveria aprender e aculturar-se segundo os padrões divinos do EU SOU.
Em todo esse período de transição, Deus ia moldando seu povo segundo seu santo caráter. Diversas leis foram dadas, e um resumo na forma do que chamamos de decálogo (dez mandamentos) foi entregue a Moisés no monte Sinai. Dentre as leis de Israel dadas pelo próprio Deus, Samuel Schultz afirma: “Era apropriado que os israelitas, que tinham vívidas memórias da escravidão, fossem instruídos a deixar respigas para os pobres, quando fizessem suas colheitas, providenciando o necessário para os inválidos, honrando os indivíduos idosos”.   
Essa prática em não colher da vinha até os últimos frutos e não recolher as uvas que caíssem ao chão era uma lei dada por Deus para que os pobres e estrangeiros pudessem ter com o que se alimentar (Lv 19:9-10). Podemos evidentemente verificar o cuidado de Deus para com seu povo ao lhe dar uma terra boa para o plantio, como o seu cuidado em prover alimento para os pobres e estrangeiros.
Voltemos agora para o ministério terreno de nosso Senhor Jesus Cristo. Certo dia, ao sair da sinagoga na cidade de Cafarnaum, o messias se dirige para a casa de Simão, conhecido também como Pedro, e ao entrar Cristo encontra a sogra de Simão acamada. O texto de Marcos 1:29-39 nos relata que Cristo toma pela mão aquela senhora e no mesmo momento a febre a deixa. O texto ainda relata que muitos enfermos e endemoninhados foram levados até a presença de Cristo para serem libertos e curados.
Atenção especial merece o verso 38 quando Jesus responde aos seus discípulos dizendo: “Vamos a outros lugares, aos povoados vizinhos, para que também eu pregue ali, pois foi para isso que vim”. Jesus fala que precisa ir a outros lugares para pregar, contudo, no mesmo contexto dessa fala ele acaba de realizar inúmeros milagres, curando enfermos e libertando cativos dos poderes malignos.
Uma lição que podemos extrair desse texto é que Jesus Cristo, ao  anunciar as boas novas, era completamente comprometido com a dignidade de vida dessas pessoas. Na oportunidade de anúncio das boas novas do reino de Deus, ele alimentava o faminto, curava o enfermo e libertava o cativo. Esse é o evangelho de Jesus, uma mensagem que salva e liberta nossa alma, e que também produz dignidade à nossa vida terrena.

Poderíamos ver inúmeros eventos onde Cristo prega, e demonstra em ação preocupação com a vida física e terrena dos seus ouvintes. Isso se chama ortodoxia integral, que nada mais é que a prática daquilo que confessamos e cremos.
Toda a missão terrena de Jesus estava em anunciar a mensagem do reino de Deus que intrinsecamente produz dignidade de vida, o povo da aliança fora tirado da escravidão e levado para uma terra boa, Cristo pregava sua mensagem e trazia dignidade aos que o ouviam.
Uma espiritualidade sadia centra-se em saber que o problema da humanidade reside no pecado, e, como agentes proclamadores da mensagem de Cristo, liberta do pecado, como também ajuda-à. A pregação do evangelho dissociada do auxílio terreno é desconexa do nosso modelo, Jesus Cristo.  
Temos vivido tempos de grande migração como fruto de guerras, ou seja, um grande número de pessoas tem saído de suas terras de origens para migrar a outro país. O mundo se dividiu entre os que abrem suas fronteiras e os que negam ajuda e apoio a tais pessoas. Dentro das igrejas gerou-se um debate sobre o papel do cristão diante de toda esta situação. Alguns vêem com bons olhos e oportunidade do kerigma – proclamação – outros têm uma percepção de iminente perigo infiltrando-se em suas nações e total repúdio.
Acredito que tudo que foi tratado até aqui esclarece que o povo de Deus foi estrangeiro por 400 anos em terras alheias. Após isso Deus deu uma lei ao seu povo para deixar o que não foi colhido para os pobres e estrangeiros. E se fizéssemos uma análise mais extendida veríamos que o povo hebreu não foi estrangeiro em terras estranhas apenas no Egito, mas no exílio da babilônia também.
Tenhamos em mente que o evangelho de Jesus Cristo é uma mensagem que desata as cordas da maldade, livra da opressão, coloca em liberdade os oprimidos, reparte o pão com o faminto, ampara o necessitado, dá abrigo ao desabrigado e veste o que anda nu. A mensagem de Cristo é a boa nova que produz libertação interior, que gera a vida de Cristo e produz um novo coração, e ao mesmo tempo é uma mensagem de compaixão ao necessitado.
Os refugiados podem ser vistos como perigo iminente, ou podemos vê-los como um povo que necessita do evangelho que salva, e das ações cristãs que amparam, amam e cuidam. Crer em um Deus soberano é saber que um dia ele permitiu que seu povo fosse estrangeiro, e que hoje, da mesma forma como no passado, pode estar permitindo todo esse movimento de refugiados pelo mundo para que os seus possam encontrar-se com o evangelho e por ele serem salvos.
Termino afirmando que o evangelho é como uma moeda, de um lado reside a pregação do evangelho e do outro as ações como do bom samaritano. Não existe evangelho sem proclamação e a demonstração do amor que flui dessa mensagem de poder e graça; a grande comissão não é desvinculada do grande mandamento, como falar do Deus que é amor sem atos de compaixão?
“Quem, pois, tiver bens do mundo e, vendo seu irmão em necessidade, fechar-lhe o coração, como o amor de Deus pode permanecer nele?” (1 João 3:17).

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O que é o Ser Humano?


  A pergunta sobre o sentido ou origem da raça humana perpassa séculos, diversas teorias foram elaboradas com o desejo de sanar ou ao menos refletir sobre esse tema tão complexo, profundo e antigo, o homem  (aqui não como gênero).

  Podemos pensar no ser humano como uma máquina, que é uma perspectiva do ser humano como uma "máquina de trabalho", nessa linha de pensamento o homem é tratado apenas e com base naquilo que ele pode produzir, isso é muito comum dentro das empresas e nas relações de negócios, o homem apenas como mão de obra. A grande incoerência do pensar no homem (sentido e origem) como um ser que existe para o trabalho ou para o serviço é negar todas as outras dimensões inerentes à raça humana e que não pode ser negada devido as experiências que como homens vivemos. 

"Nessa abordagem, os seres humanos são vistos basicamente como coisas ou
meios para algum fim em si mesmo. Eles têm valor enquanto são úteis. 
Podem ser movimentados como peças em um jogo de xadrez".
(Millard J. Erickson)

  Na psicologia behaviorista é defendido o conceito do ser humano como um animal, ou seja, a motivação humana é abarcada pelos seus impulsos biológicos, o comportamento humano e as explicações sobre identidade, origem e forma comportamental é explicada ou se assemelha aos processos empíricos ao qual seres animais são submetidos para analise.. Um exemplo claro é o famoso caso do cachorro de Pavlov que aprendeu a salivar quando ouvia a campainha soar. A grande incoerência do homem como um animal é a negação da intelectualidade, capacidade cognitiva e a parte emotiva inerente a raça humana.

  Sigmund Freud considerava a sexualidade como o enigma para a interpretação do o que é o ser humano, em suas teorias Freud falou sobre o ID, EGO e SUPEREGO, partes que compõe em sua visão o entendimento acerca do ser humano. Na teoria elaborada por Freud ele parte do pressuposto que o libido sexual é o que realmente move o ser humano e para entende-lo, o libido sexual deveria ser compreendido como "a mola propulsora" de toda raça humana. Para Freud a restrição da busca pelo libido sexual acarretaria em diversas frustrações. A incoerência dessa linha de pensamento reside no fato que o saciar do libido sexual deve gerar uma liberdade irrestrita ao homem, o estado (esfera pública), e os pais (esfera familiar) não podem restringir o saciamento do libido porque para Freud o saciar sexual é a raiz que traz significado, contudo, isso geraria uma catástrofe e um choque social, afinal, homem algum sobrevive sozinho. 

   A história da humanidade mostra claramente o desejo humano em buscar sentido ou resposta para "o que é o ser humano" na esfera econômica, e existem aqueles que defendem que o sentido da existência reside na obtenção de bens materiais, ou seja, tendo uma casa, um carro, um bom emprego o homem atingiu o seu objetivo. Os defensores de tal pensamento, do homem como um ser econômico, defende a linha do materialismo dialético, ou seja, do homem buscando nas estruturas econômicas o sentido ou resposta do "o que é o ser humano". 

"Primeiro veio a escravidão, um detinha toda a riqueza, depois veio o feudalismo,
relações entre os feudais e os suseranos, uma relação desigual. Em seguida, 
surge o capitalismo onde uma classe domina e outra é a mão de obra (paga).
E finalmente chegará um tempo onde não haverá propriedade privada,
ficando tudo nas mãos do estado, e o temido abismo econômico sucumbira". 
(Millard J. Erickson)

   Dentro da esfera cientifica o que é o ser humano tem sido respondido pela ótica do homem como "um peão do universo". Bertrand Russel expressa com clareza o que os adeptos do homem como uma "criação do universo" é:

      "Afirmo que o homem é o produto de causas cujo fim a ser alcançado não foi previsto; que sua origem, seu crescimento, suas esperanças e temores, seus amores e suas crenças são apenas resultados de agrupamento acidentais de átomos; que nenhum fogo, nenhum heroísmo, nenhuma intensidade de pensamentos e sentimentos pode preservar a vida de um individuo além do túmulo". 

   Na esfera cientifica, o ser humano é apenas um conjunto de átomo, uma causa acidental do universo, logo, pensar sobre sentido, existência ou finalidade parece não apropriado nessa vertente de pensamento, pois aquilo que é acidental e não proposital, talvez, finalidade alguma tenha. 

    O que é o ser humano? Alguns pensadores modernos, principalmente após a era iluminismo, sugere o ser humano como uma pessoa livre, e aí nessa linha encaixa-se perfeitamente o sentido do antropocentrismo. A liberdade como essencial da raça humana implica em que o ser humano atinge a mais perfeita condição quando ele autodetermina seu próprio sentido. Ou seja, essa linha defende que a interpretação para "o que é o ser humano" reside dentro dele próprio e não fora. 

  Willian Ernest Henley em seu poema "invictus" descreve a linha de pensamento do homem como um ser livre:

 Do fundo desta noite que persiste
  A me envolver em breu - eterno e espesso,
  A qualquer deus - se algum acaso existe,
  Por minh´alma insubjugável agradeço. [...]

  Por ser estreita a senda - eu não declino,
  Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
  Eu sou dono e senhor de meu destino;
  Eu sou o comandante da minha alma.  

   Antes de falar sobre a visão cristã como resposta do "o que é o ser humano", falta pensarmos sobre a linha do homem como um ser estritamente social, fruto das suas relações, resultado dos vínculos com outras pessoas. Essa linha defende que o ser humano deve buscar no seu semelhante as respostas para as perguntas existenciais. Ao passo que a linha do homem livre deve buscar em si as respostas para suas indagações mais profundas, o homem como ser social deve buscar não nele, mas no outro e as relações são os meios para isso, as respostas para suas duvidas mais profundas. A incoerência reside em buscar no semelhante respostas sobre quem eles são, ou seja, o que é o ser humano? Tal resposta não pode se encontrada no próximo semelhante, afinal, a indagação repousa sobre ele também como integrante da raça humana como um todo. 

   O que é fé cristã tem a falar sobre "o que é o ser humano"? A bíblia sagrada nos afirma que o homem é a imagem e semelhança do Deus que os criou, a palavra de Deus trata o ser humano em todas as suas composições, porém, de forma primária "o que é o ser humano"? Imagem e semelhança da trindade (Deus Pai, Filho e Espirito Santo). 

  A fé cristã trata do homem como um ser humano criado para o trabalho, nos primórdios na pessoa de Adão pelo cultivo do jardim, trata o homem como um ser biológico e obvio composto por impulsos naturais, a fé cristã compreende o homem como um ser sexual, onde o libido sexual existe, porém, manifestado de forma contida e circunscrito as normas divinas. A palavra de Deus em diversos momentos reconhece o homem como um ser econômico, não em sua primordialidade, mas como característica secundaria a sua existência. 

   A fé cristã pautada na pessoa de Jesus Cristo entende o homem como um ser composto por células, átomos, e infinidades de elementos estudados pela ciência, mas esse não é o fim do sentido humano, é apenas um meio usado por Deus para traze-los a existência. A fé cristã reconhece o homem como um ser que é dotado de escolhas, com suas respectivas consequências, contudo, um ser livre dentro da liberdade determinada por Deus (assim como Adão e Eva eram livres dentro dos limites dados por Deus, como não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal). O Deus trino, um ser pessoal e relacional, reconhece a necessidade do homem em se relacionar uns com os outros, pois ser imagem de Deus é ser relacional. 

  "O que é o ser humano" não reside no trabalho (homem como máquina), não reside nos impulsos biológicos (homem como animal), não reside no saciar do libido sexual (teoria de Freud), não reside no aspecto econômico do tenho logo sou, não reside no pensamento do homem como acaso cósmico, não encontra-se na liberdade do homem como um ser livre procurando no objeto de análise a resposta e muito menos no próximo (homem como ser social). 

   A fé cristã trata do homem em todos esses aspectos como já dito, contudo, todas essas linhas para a fé cristã são linhas secundarias, para aqueles que depositam fé em Jesus, o filho de Deus, a resposta do "o que é o ser humano", está no fato que em certo momento da eternidade, Deus pai olha para Deus Filho e em harmonia com o Deus Espirito Santo um diz ao outro:

   "Façamos o homem conforme a nossa imagem, conforme a nossa semelhança...". (Gn 1.26). Com isso termino dizendo que é impossível ao homem responder quem ele é, o sentido de sua existência, e o destino final de sua vida, se antes, ele não parar e compreender que para se conhecer é preciso primeiro conhecer aquele que os criou conforme a sua imagem.